16 de novembro de 2005

A EVOLUÇÃO DO TERMO GÊNERO: DE ARISTÓTELES E PLATÃO A BAKTHIN E TODOROV

Desde a literatura clássica, há uma preocupação em caracterizar os textos em uma tipologia geral, de acordo com suas especificidades e diferenças entre si.
Aristóteles e Platão apresentam a distinção em três formas genéricas fundamentais: o lírico, o épico e o dramático, cujas características são diferenciadas pelos modos de imitação ou representação da realidade, tendo como princípios o modo de enunciação.
Platão e Aristóteles propuseram também subdivisões dos gêneros, em função de suas especificações de conteúdo. São estes: o ditirambo, a epopéia, a tragédia e a comédia.
Seguindo esta evolução, a conceito tradicional de gênero textual compreende a concepção clássica dos gêneros narração, descrição e dissertação ou argumentação foi por muito tempo praticada nas escolas sob o nome de redação. Todavia, reconhecer nas unidades textuais apenas essas três formas de produção, exclui da prática escolar o exercício autêntico da linguagem, uma vez que essa tipologia redacional é vazia de realidade sociointeracional.
As teorias mais recentes sobre os gêneros textuais estão mostrando que essa classificação não dá conta das diferentes práticas sociais da fala e da escrita, uma vez que não são reconhecidas pelos usuários da língua como objetos de interação.
Segundo Todorov, os gêneros antigos não desaparecem, apenas são substituídos por novos gêneros, em virtude dos avanços tecnológicos do mundo contemporâneo. Devido à sua dinamicidade e à variabilidade, a concepção de gênero não se limita mais ao estudo da literatura clássica.
Na atualidade há uma proliferação de textos que mesclam uma variedade de gêneros, permitindo-os um caráter volúvel, sujeitos a mudanças e relações com outros gêneros, resultando, a partir disso, em novos gêneros, os chamados híbridos.
Há também os gêneros intercalados, como as cartas, os manuscritos, as citações, que apresentam uma pluralidade de estilos e características de diversos gêneros.
Embora diferentes, cada gênero apresenta uma estrutura básica específica que o caracteriza de acordo com a produção, recepção, o texto e o contexto em que se encontram. São três os elementos principais em que devemos nos fundamentar para verificar o gênero a que pertence determinado enunciado.

DEFINIÇÃO DE GÊNERO

Para Bakthin gênero são tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados nas diferentes esferas sociais de utilização da língua.

Gênero é uma classe de eventos comunicativos, os quais são delimitados por objetivos comunicativos (tema, estilo e estrutura esquemática).
Para Marcuschi (1996: p.4), gêneros são "modos de organização da informação que representariam as potencialidades da língua, as rotinas retóricas ou formas convencionais que o falante tem à sua disposição na língua quando quer organizar o discurso." O mesmo autor (2002:p.19) concebe os gêneros textuais "como fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social" e acrescenta: "os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia". No entanto, ele adverte que "os gêneros não são instrumentos estanques e enrigecedores da ação criativa", muito pelo contrário, eles se caracterizam "como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos". Marcuschi, ao considerar os gêneros textuais, aborda a imprescindibilidade de tratá-los como fenômenos históricos, relacionados com a vida cultural e social.o autor ressalta que os gêneros surgem, proliferam-se e modificam-se para atender as necessidades socioculturais e às inovações tecnológicas. O autor pontua que: "[Os gêneros textuais] Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e atividades sócio-culturais, bem como na relação com inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita." (2002: 20)

Marcuschi faz a distinção entre gênero, forma concretamente realizada, encontrada nos diversos textos empíricos; e tipo textual, constructo teórico, que abrange categorias determinadas.
Conhecer determinado gênero significa se capaz de prever regras de conduta, seleção vocabular e estrutura de composição utilizadas.
São três os elementos principais que caracterizam o gênero: conteúdo temático (assunto, a mensagem transmitida); o plano composicional (estrutura formal dos textos pertencentes ao gênero); o estilo (leva em conta as questões individuais de seleção e opção: vocabulário, estruturas frasais, preferências gramaticais).

Esta abordagem teórica, que conduz a uma nova prática de tratamento da linguagem na escola, vem em substituição à classificação tradicional, à trilogia clássica que compreende narração, descrição e dissertação.

CLASSIFICAÇÃO DOS GÊNEROS

Devido à extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso, Bakthin optou por dividir os gêneros em dois tipos: Gênero Primário (simples) e Gênero Secundário (complexo). Os chamados Gêneros Primários são aqueles que provêm de situações de comunicação verbal espontânea, da vida cotidiana: linguagem oral, diálogos com a família, reuniões de amigos, etc. Os Gêneros Secundários envolvem uma forma mais elaborada de linguagem, normalmente a escrita, para construir uma ação verbal em situações de comunicação mais complexas e relativametne mais evoluídas, abrangendo assuntos artísticos, culturais, políticos, etc. Esses gêneros modificam os Primários, que passam a ter características mais complexas e elaboradas. Bakthin traz como exemplo uma carta ou um diálogo cotidiano da realidade comunicativa, que, quando inseridos em um romance, desvinculam-se da realidade comunicativa imediata, só conservando seu significados no plano de conteúdo do romance. Ou seja, a matéria dos Gêneros Primários e Secundário é a mesma, o que os diferencia é o grau de complexidade e elaboração em que se apresentam.

Seguindo a linha bakthiniana dos Gêneros Primários e Secundários, surge, através do advento da internet, um novo cenário de enunciação, virtual e mais complexo - o ciber ou hiper espaço -, os chamados Gêneros Terciários, em que leitor e escritor se encontram diante de novos processos de produção e compreensão textuais, construídos em um novo suporte eletrônico - o computador-, de novas formas de linguagem, de um novo código, de uma nova comunicação hipertextual, de um novo estilo de ler e escrever ( e de "conversar", usando o teclado). A acelerada evolução da tecnologia de comunicação vem propiciando o surgimento de novos gêneros e a renovação de outros, para se adaptarem ao meio eletrônico. Consequentemente, novas estratégias de seleção e distribuição do conteúdo são empregadas e novos recursos linguísticos são criados para agilizar a transmissão de informações no ambiente virtual. E é através da emergência de novos gêneros discursivos e textuais (terciários) que surgem os gêneros virtuais.

GÊNEROS VIRTUAIS

Gêneros virtuais é o nome dado às novas modalidades de gêneros textuais, surgidas com a internet, dentro do hipertexto (texto que vem acompanhado de vários links possibilitando uma leitura não linear do mesmo, já que o leitor se encontra livre para modificar o caminho de sua leitura acessando quando acessa tais links), permitindo a comunicação e a interação entre duas ou mais pessoas, mediadas pelo computador. A internet veio inaugurar uma forma significativa de comunicação e de uso da linguagem. Os principais gêneros virtuais são: os e-mails, os chats ou salas de bate-papo, as listas de discussão, os weblogs (blogs), etc.

Acrescenta-se, ainda, que a internet possibilitou a crialção de um novo espaço para a escrita, permitindo também a ampliação da concepção de texto, que, no espaço virtual, carrega marcas da oralidade e representa um hibridismo entre a modalidade oral e escrita. Assim, o texto passa a ser dinâmico e interativo, sendo escrito por várias mãos.

Neste sentido, é função do professor fornecer ao aluno o conhecimento e a elaboração de diferentes gêneros discursivos/textuais, permitindo-lhe empenhar-se na realização consciente de um trabalho linguístico que realmente tenha sentido para si. Isso só é conseguido, à medida que a proposição textual seja bem clara e definida. É necessário que o aprendiz possa sentir que realmente está produzindo para um leitor (que não deve ser apenas o professor), eliminando a exclusividade das situações artificiais de produção textual, tão presentes no cotidiano da escola.

TRATAMENTO DOS GÊNEROS TEXTUAIS EM SALA DE AULA

Tendo em vista que todos os textos se manifestam sempre num ou noutro gênero textual, um maior conhecimento do funcionamento dos gêneros textuais torna-se importante tanto para a produção quanto para a compreensão. È é sob esta perspectiva que os Parâmetros Curriculares Nacionais sugerem, quando mencionam que o trabalho com texto deve ser feito na base dos gêneros, sejam eles orais ou escritos.

Além disso, considerando as inovações tecnológicas e textuais já mencionadas, é preciso que o professor esteja atento ao que acontece na sociedade e a sua volta, às suas experiências e às dos alunos, para partilhar e aprender com eles sobre os gêneros que estão sendo utilizados nos mais variados contextos, sobre os propósitos comunicativos que os movem e os efeitos pretendidos em cada situação particular, levando sempre em conta o destinatário, ou seja, a quem serão voltadas as atenções do emissor para alcançar os propósitos comunicativos de cada ação que se concretiza na linguagem verbal.

Cabe ao professor propor atividades que promovam a ativação do conhecimento de gêneros estabelecidos socialmente e na comunidade discursiva do aluno, por meio de exercícios de análise e reconhecimento das propriedades comunicativas e formais de cada um, realçando seus efeitos comunicativos, em função dos interlocutores nas situações concretas de comunicação. Para tanto, o professor precisa ter uma base teórica atualizada para orientar a construção de sua prática pedagógica, um conhecimento de teorias que lhes dê os subsídios necessários para promover, sempre que possível, experiências autênticas de uso da linguagem. As atividades de leitura e produção devem oportunizar aos alunos um exercício de reconhecimento e análise de gêneros textuais que circulam na sociedade, muitos dos quais fazem parte do cotidiano deles.

A escola tem a responsabilidade de instrumentalizar os seus alunos para usos autênticos da linguagem. Ensinar o domínio da Língua Portuguesa significa ensinar os alunos a escolherem o gênero adequado a cada situação comunicativa e a usá-lo, com propriedade e segurança, em suas experiências de vida fora da escola.

Textos produzidos por Carla

18 comentários:

Anônimo disse...

Olá!!!!!

Já li algumas coisas no seu blog...esse é uma assunto que no "momento" me interessa muito. Estou começando um novo segmento e é td muito novo para mim. Espero trocar muitasssss idéias com vc.

Bjs

Sindy disse...

Obrigada pela visita! Que bom que o nosso trabalho está contribuindo!
Mantenha contato para trocarmos idéias!
Abraços

José Antonio Klaes Roig disse...

Oi. Gostei muito do blog, por ter justamente duas coisas em comum comigo, as TIC's e a literatura. Parabéns pelo trabalho. Colocarei um atalho em meus blogs. Um abraço.

Renata disse...

Boa noite, gostei muito do tema e da forma como foi discorrido a materia me ajudou muito. Renata

Anônimo disse...

Muito boa a abordagem do assunto,obrigada me ajudou muito1

Unknown disse...

Muito bom post! Gostei do assunto abordado e o texto me ajudou bastante! Só uma observação: o "h" em Bakhtin vem depois do "k" ;)

Unknown disse...

Artigo de grande contribuição, pois falarmos hoje de gêneros textuais nos chama realmente à uma grande reflexão sobre a forma, o estilo e a tipologia em geral, para se atingir determinado público alvo. Mas como foi abordado acima, é inegável as transformações que estes gêneros estão constantemente à sofrer. A tecnologia evoluiu e junto com ela a forma de interagir e de se comunicar nos diferentes meios disponíveis.

Unknown disse...

Gostei muito do post. É de grande importância para mim que sou universitário saber sobre os conceitos e manifestações dos gêneros textuais, tanto do ponto de vista dos grandes estudiosos do assunto citados no post, quanto do ponto de vista contemporâneo onde foram criadas e difundidas - principalmente pela internet - várias ferramentas que podem talvez virem a integrar um lugar dentre os gêneros textuais. Parabéns pelo post, me agradou muito.

Sara Alzira Rodrigues Aguiar disse...

Olá , (:
Gostei muito do seu post, achei bastante interessante a maneira como abordou o assunto e também gostei dessa parte que diz: "o conceito tradicional de gênero textual compreende a concepção clássica dos gêneros narração, descrição e dissertação ou argumentação foi por muito tempo praticada nas escolas sob o nome de redação." E logo depois é esclarecido que o gênero vai muito além disso, e como acadêmica de Letras tenho aprendido muito isso pois antes para mim no colégio, o assunto gênero era apenas pautado nisso. Parabéns pelo texto, muito bom !

Unknown disse...

ótimo post! Achei o texto bem esclarecedor. Gostei muito da seguinte citação: ''os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia". Isso mostra o quanto é importante o bom conhecimento dos gêneros textuais! Também acho muito válido falar sobre os gêneros virtuais, visto que a internet é algo tão presente em nosso cotidiano. Parabéns!

Unknown disse...

Adorei o post! Achei muito interessante a questão da evolução do conceito de gênero textual, passando desde de Platão e Aristóteles até a atualidade. O post me ajudou na compreensão da caracterização dos gêneros, assim também como na percepção da necessidade do professor de propor atividades na sala de aula para que os alunos compreendam melhor a utilização de cada gênero textual, de acordo com o interlocutor específico. Excelente texto, Parabéns!! :)

Unknown disse...

Post muito interessante! Gostei bastante da comparação desde Aristoteles e Platão até Bakthin e Todorov que veio a me ajudar na melhor compreensão do que é um gênero! A citação de Marcuschi veio para dar mais enfase a flexibilidade do que pode-se definir como um gênero. Esclareceu bastante minhas duvidas a esse respeito. Obrigada.

Luana Siqueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luana Siqueira disse...

Gostei bastante do post achei bem interessante, me ajudou a entender melhor de o que é gênero gostei principalmente da parte em que se fala de como dividiu Bakhtin gênero.

Unknown disse...

Adorei o post! É muito importante conhecer os gêneros textuais, afinal, como diz o texto, eles ordenam as nossas atividades comunicativas. E, é claro, os gêneros virtuais não podem ficar de fora dessa discussão, visto que hoje estão muito presentes nas nossas vidas, sendo lidos e produzidos a todo momento nas redes sociais etc...

Unknown disse...

É muito bonito perceber que os gêneros textuais mudam e se adaptam de acordo com as nossas mudanças. Ótimo texto, obrigada.

Unknown disse...

É muito bonito perceber que os gêneros textuais mudam e se adaptam de acordo com as nossas mudanças. Ótimo texto, obrigada.

Unknown disse...

Olá, seu texto ajudou bastante a compreensão dos gêneros textuais e ajudou bastante com meu curso!